16 de março de 2012

DESFAZENDO O MITO DA SUPREMACIA YORUBA-NAGO

Foto: in guiadeteresina.com

"Minas Gerais é toda bantu?
Minas só, não. O Brasil é bantu."


Por volta de novembro de 2002, os confrades Falabella e Lasmar, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG, enviaram-me matéria publicada no Jornal do Brasil, onde pude ter notícia da maravilhosa pesquisadora e etnolinguista baiana Yeda Pessoa de Castro.
Currículo nacional e internacional para acadêmico nenhum botar defeito, Yeda, no dizer da jornalista Eliane Azevedo, explodiu a polêmica: “o idioma que se fala no Brasil não é europeu. Trata-se de um português africanizado - uma extraordinária convergência entre o banto (grupo etnolingüístico da África meridional) e a língua de Camões."
''No encontro entre as línguas africanas e o português arcaico, em lugar de surgir um conflito, houve um nivelamento, um processo de africanização'', garante a ex-diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do Comitê Científico Brasileiro do Projeto Rota do Escravo, da Unesco.
Yeda não poupa filólogos e estudiosos acadêmicos para apontar que só o preconceito etnocêntrico fez com que palavras que garante ser banto, como mocotó e moranga, tenham atribuição indígena nos dicionários. E que só se estudou a cultura iorubá porque era um povo que tinha escrita[1].
''Chegou-se a um estereótipo de que os iorubás eram superiores. Zumbi dos Palmares era banto, mas, no filme de Cacá Diegues, os palmarinos falam iorubá, quando não havia um deles ainda no Brasil'', argumenta, furibunda[2]. A tese de Yeda está exposta no recém-lançado Falares africanos na Bahia (Topbooks, 368 págs.) - que o colunista do Jornal do Brasil Millôr Fernandes classifica como sua ''atual bíblia''.
Yeda tem mesmo total razão.
Segundo números tabulados por Maurício Goulart[3], o maior pico de sudaneses ocorreu em 1720, 60,22% da população negra, quando começou a decrescer velozmente ante o crescimento dos bantus que chegaram a ser 86,41% em 1790, contra apenas 13,59% de sudaneses.
[...]
Mas não é só. Duas questões há a acrescentar:
a) os números acima provavelmente abranjam também São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso e não apenas as Minas, onde é provável que o número de sudaneses fosse menor ainda;
b) no caso de Minas, não só os pretos eram em maioria bantu, como os próprios brancos, mormente os chamados de “ilhéus”, cuja maioria, na verdade vinha de Angola, Moçambique e outras possessões bantos da África, de onde conheciam as línguas por serem naturais ou moradores de longa data nessas colônias portuguesas.
Neste sentido, não nos esqueçamos de que hoje não é mais mera tese de que o povo brasileiro, até a descoberta das Minas, falava quase que exclusivamente a língua geral.
Assim, no outro lado da moeda, mais uma vez acertou na mosca a maravilhosa etnolinguista: “(...) o africano adquiriu o português como segunda língua e foi o principal responsável pela difusão da língua portuguesa em território brasileiro”[4].
Evidente que convivendo com os portugueses em Angola e Moçambique, esses bantus tinham pelo menos alguma noção do português, quando não o falavam correntemente.


[1] Yorobás não tinham escrita coisa nenhuma. Como ensina Yeda, islamizados que eram, só faziam copiar textos do alcorão em língua e caracteres árabes.
[2] O filme de Cacá Diegues teve que ser redublado, tirando-se-lhe a língua yorubá.
[3] Estimativa de Maurício Goulart, in Devassa da Devassa, de Keneth Maxwel, 1995, 4ª Impressão, pgs. 290/291.
[4] Falares Africanos na Bahia, pg. 78.


Escrito por Tarcísio José Martins
Ter, 30 de Novembro de 1999

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